Leonardo Boff: Festejar é afirmar bondade da vida

O tema da festa é um fenômeno que tem desafiado
grandes nomes do pensamento como R. Caillois, J. Pieper, H. Cox, J. Motmann e o
próprio F.Nietzsche. É que a festa revela o que há ainda de mítico em nós no
meio da prevalência da fria racionalidade. Quando se realizou a Copa de futebol
no Brasil no mes de junho/julho do corrente ano de 2014 irromperam as grandes
festas, em todas as classes sociais, verdadeiras celebrações. Mesmo depois da
humilhante derrota do Brasil frente à Alemanha, as festas não esmoreceram. Na
Costa Rica, mesmo não sendo a campiã do mundo, mas mostraram excelente futebol,
até o Presidente saíu à rua para celebrar. Não foi diferente na Colômbia.
A festa faz esquecer os fracssos, suspende o terrível
cotidiano e o tempo dos relógios. É como se, por um momento, participássemos da
eternidade, pois na festa não percebemos o tempo passar.
A festa, em si, está livre de interesses e
finalidades, embora haja festas para negócios onde a festa se transforma em
berber, comer e negociar. Mas na festa que é festa, todos estão juntos não para
aprenderem ou ensinarem algo uns aos outros, mas para alegrarem-se, para estar
aí, um-para-o-outro comendo e bebendo na amizade e na concórdia. A festa
reconcilia todas as coisas e nos devolve a saudade do paraíso das delícias, que
nunca se perdeu totalmente. Platão sentenciava com razão:”os deuses fizeram as
festas para que pudéssem respirar um pouco”. A festa não é um só um dia dos
homens mas também “um dia que o Senhor fez” como diz o Salmo 117,24.
Efetivamene, se a vida é uma caminhada onerosa, precisamos, às vezes, parar
para respirar e, renovados, seguir adiante.
A festa parece um presente que já não depende de nós e
que não podemos manipular. Pode-se preparar a festa. Mas a festividade, vale
dizer, o espírito da festa, surge de graça. Ninguém a pode prever nem
simplemente produzir. Apenas nos podemos prepar interior e exteriormente e
acolhê-la.
Pertence à festa mais social (bodas, aniversário) a
roupa festiva, a ornamentação, a música e até a dança. Donde brota a alegria da
festa? Talvez Nietszche encontrou sua melhor formulação:”para alegrar-se de
alguma coisa, precisa-se dizer a todas as coisas: sejam benvindas”. Portanto,
para podermos festejar de verdade precisamos afirmar positivamente a totalidade
das coisas.:”Se pudermos dizer sim a um único momento então teremos dito sim
não só a nós mesmos mas à totalidade da existência” ”(Der Wille zur Macht,
livro IV: Zucht und Züchtigung n.102).
Esse sim subjaz às nossas decisões cotidianas, em
nosso trabalho, na preocupação pela família, na convivência com os colegas. A
festa é o tempo forte no qual o sentido secreto da vida é vivido mesmo
inconscientemente. Da festa saimos mais fortes para enfrentar as exigências da
vida.
Em grande parte, a grandeza de uma religião, cristã ou não. reside em sua capacidade de celebrar e de festejar seus santos e mestres, os tempos sagrados, as datas fundacionais. Na festa cessam as interrogações do coração e o praticante celebra a alegriade de sua fé em companhia de irmãos e irmãs que com eles partilham das mesmas convicções, ouvem a mesma Palavra sagrada e se sentem próximos de Deus.
Em grande parte, a grandeza de uma religião, cristã ou não. reside em sua capacidade de celebrar e de festejar seus santos e mestres, os tempos sagrados, as datas fundacionais. Na festa cessam as interrogações do coração e o praticante celebra a alegriade de sua fé em companhia de irmãos e irmãs que com eles partilham das mesmas convicções, ouvem a mesma Palavra sagrada e se sentem próximos de Deus.
Vivendo desta forma, a festa religiosa, percebemos de
como é equivocado o discurso que sensacionalisticamente anuncia a morte de
Deus. Trata-se de um trágico sintoma de uma sociedade saturada de bens
materiais, que assiste lentamente não a morte de Deus, mas a morte do homem que
perdeu a capacidade de chorar, de se alegrar pela bondade da vida, pelo nascer
do sol e pela carícia entre dois namorados.
Novamente nos socorre Nietzsche que muito
entendeu da verdade essencial do Deus vivo, sepultado sob tantos elementos
envelhecidos de nossa cultura religiosa e da rigidez da ortodoxia das igrejas:
a perda da jovialidade, isto é, da graça divina (jovialidade vem de Jupter,
Jovis). É a consequência fundamental da morte de Deus (Fröhliche Wissenschaft
III, aforismo 343 e 125).
Pelo fato de havermos perdido a jovialidade, grande
parte de nossa cultura não sabe festejar. Conhece sim a frivolidade, os
excessos do comer e beber, os palavrões grosseiros, e as festas montadas como
comércio, nas quais há tudo menos alegria e jovialidade.
A festa tem que ser preparada e somente depois
celebrada. Sem esta disposição interior corre o risco de perder seu sentido
alimentador da vida onerosa que levamos. Hoje em dia vivemos em festas. Mas
porque não sabemos nos preparar nem prepará-las. saimos delas vazios ou
saturados quando seu sentido era de encher-nos de um sentido maior para levar
avante a vida, sempre desafiante e para a maioria, trabalhosa.
fonte: http://leonardoboff.wordpress.com