História da Paróquia de Oriximiná (III)




Em sua segunda expedição saiu o Padre Nicolino da foz do Sumuhuma, a pé, através de matas virgens mas não lhe foi possível alcançar a foz do Urucuryana. Por isso voltou o ano seguinte, e de novo embrenhou-se pela floresta, prosseguindo a exploração que havia empreendido. Foi então que morte traiçoeira lançou por terra o arrojado explorador.

 
Com tal desastre esmoreceu a grandiosa idéia de aproveitar a indústria pastoril os campos da cabeceira do Rio Cuminá.


Ainda um distinto engenheiro paraense, não menos resoluto que o padre Nicolino - o Sr. Dr. Vicente Chermont de Miranda nosso ilustre consócio, preparou à sua custa uma expedição e lançou-se pelas cachoeiras do trombetas à procura dos famosos campos. Não estava ainda em meio da viagem, quando lamentável naufrágio em uma enorme cachoeira cortou-lhe os passos, salvando ele a custo da vida sua e de seus companheiros, e tendo perdido totalmente bagagens, provisões e armamentos.


O Cuminá, que é o mais importante afluente do Trombetas, desde a foz do Urucuryana até à última cachoeira em baixo - a cachoeira do Tronco, tem a largura que em certos pontos atinge quatrocentos metros. Entre estes dois pontos, o declive do rio é bem sensível formando ângulo maior do que convém para um rio de regime regular. Na estação das chuvas, com a descarga deste enorme volume de água, deve ser considerado violento. Os pretos do antigo mocambo me diziam em sua linguagem enérgica; "no inverno, Cuminá ronca que mete medo"!


Quando, porém cessam as chuvas, o rio esgota-se rapidamente. A pouca água que resta corre por estreitos canais. Em todo o leito do rio, de um e outro lado, os campos, ficam inteiramente secos, e o Cuminá se transforma verdadeiramente em larga estrada, calçada de granito por onde se transita facilmente a pé.


Oitenta dias eu passei naqueles explêndidos desertos. Parecia insensível à fadigas, às privações e aos perigos: e tive realmente fundo pesar quando fui forçado a regressar.


Quanto é rica esta nossa terra! O viajante que atravessar os desertos da Ásia e da África devorado de sede, prostrado de cansado sobre areias ardentes, respirando à custa em atmosfera de fogo - encontrando apenas raros e mesquinhos oásis - que muitas vezes não são mais do que enganadoras miragens - cai exausto de forças antes de chegar ao termo de sua viagem, porque nesse inferno a vida é impossível. Aqui, pelo contrário, no bosque, nos ares, nas águas, tanto no reino animal como vegetal, está travada a luta pela vida, luta intensa, sem tréguas, eternas.


Quando eu descia o rio Cuminá, os apóstolos das minhas canoas eram os antigos habitantes dos mocambos, que tinham em grande veneração a memória de Padre Nicolino. Dois desses homens Joaquim Sant'Ana e Guilherme do E. Santo, eram de nobres sentimentos, fazendo contraste com outros homens que me acompanhavam e se mostraram pérfidos e traiçoeiros, tais como um Benedito Fragata e um português de nome Simplício. Os mocambeiros me contaram muitas vezes os trabalhos, a agonia, e a morte de seu amigo Padre Nicolino.


O Padre Nicolino e nós tínhamos andado muito, me diziam eles, pelo meio das matas. Uma tarde acampamos junto a um igarapé de água fria fundo de areia. Jantamos. Conosco iam cinco meninos discípulos do Padre. Estes meninos entoaram cantigas tristes, como se costumavam fazer todas as tardes. Deitamo-nos em nossas macas. O Padre nos disse: "Com mais dois dias encontraremos as aldeias Pianacotós. Com mais três, encontraremos os campos. Mas ao amanhecer o Padre nos disse: - "Estou mal!" Passou o dia com febre - Às 4 horas da tarde, levantou a cabeça e disse: "OH! MINHA MÃE. MINHA MÃE! Alguns minutos, depois, um menino chegou-se à rede e disse: O PADRE ESTÁ MORTO!


Os meninos começaram a chorar em altos gritos. Nós homens, também choramos. Toda a noite levamos a velar para que as onças não viessem carregar o corpo. Pusemos à cabeceira uma pequena cruz que o Padre costumava trazer ao peito e acendemos uma vela de cera de cada lado. 


Ao amanhecer lavamos o corpo na água fria do igarapé, e depois o enterramos em baixo de uma castanheira. Fincamos uma cruz à cabeceira da sepultura. Passamos ainda ai treze dias, e depois regressamos. Quando ao mocambo chegou a noticia que o Padre tinha morrido, todos se recolhiam às suas casas e choravam sem consolação. 


Três anos depois voltamos, desenterramos os ossos, e os levamos para a sua Igrejinha de Uruá-Tapera. Com efeito os habitantes do Trombetas e de Óbidos vieram em piedosa romaria inumar os restos mortais do seu vigário e amigo na ermida que ele próprio havia edificado. Uma pequena pedra de cobre. Tem esta singela inscrição,: 'AQUI JAZ O PADRE NICOLINO DE SOUZA. NASCEU NA VILA DE FARO EM 10 DE AGOSTO DE 1826. FALECEU EM 12 DE OUTUBRO DE 1882. LEMBRANÇA DE SEUS AMIGOS".

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