O minério está acabando. O que fazer em Oriximiná?
No dia 13 de agosto de 1979 o navio Cape Race
desatracou de Porto Trombetas, em Oriximiná, levando 21 mil toneladas de
bauxita extraída da mina da serra do Saracá, a 30 quilômetros de distância da
margem do rio. Navegou por mais 100 quilômetros no Trombetas, entrou no rio
Amazonas e mil quilômetros depois chegou ao Oceano Atlântico, em jornada para o
Canadá, que era o principal cliente. Foi esse, 27 anos atrás, o primeiro
embarque feito pela Mineração Rio do Norte, individualmente a maior produtora
do minério de alumínio do mundo.
No mês passado o navio Lily saiu do Trombetas
com exatamente o dobro da carga (42 mil toneladas), destinada à Alunorte, em
Barcarena, a maior refinadora de alumina do mundo e agora a maior cliente do
minério (60% dele se destinam ao mercado interno, abastecendo a Alunorte e a
Alumar, em São Luís do Maranhão). Foi o 5.000º embarque feito no porto
privativo da MRN. Mas enquanto as quatro mil primeiras viagens só foram
completadas em 2003, depois de 16 anos de operação, as mil últimas foram
realizadas em menos de três anos.
Quando o navio canadense atendeu a primeira
encomenda da Alcan, a capacidade de produção da Rio do Norte era de 3,3 milhões
de toneladas. No ano passado, a empresa produziu 17,2 milhões de toneladas. Em
27 anos de atividade, comercializou mais de 200 milhões de toneladas. Mais de
um terço desse volume foi vendido nos últimos cinco anos.
Quando decidiu implantar seu projeto, as
jazidas de bauxita do Trombetas deviam durar 120 anos. Com o incremento da
extração em escala quase seis vezes superior ao tamanho de viabilidade
econômica, talvez esses depósitos não durem mais do que uma década. Eles
certamente já estariam entrando na faixa de exaustão se em 1992 a MRN não
tivesse adquirido (por 17 milhões de dólares) as jazidas vizinhas da Alcoa, com
200 milhões de toneladas.
Essa transação arrematou os difíceis
entendimentos que permitiram o ingresso na sociedade da multinacional
americana, a maior do segmento de alumínio no mundo, até então rechaçada
(sobretudo pela Alcan, sua concorrente direta, embora surgida do seu
desdobramento), juntamente com sua parceira, a Billiton. As duas multinacionais
compraram então mais de 22% das ações da MRN.
Mas se a vida útil da jazida ainda pode
perdurar por um período entre 10 e 20 anos, certamente a parte do depósito
localizada em Oriximiná deverá estar na sua fase final. A próxima área de lavra
ficará apenas no município vizinho de Terra Santa.
Esse fato será traumático para Oriximiná, mas
até agora nem as autoridades locais e nem a população parecem atentar para essa
circunstância tão próxima. O município está entre os seis de maior receita
tributária e de royalties no Pará. Esse crescimento acentuado se deveu à
bauxita, mas a mineração também sufocou todas as outras atividades econômicas.
Oriximiná se tornou inteiramente dependente da monocultura do minério, que é
efêmera – e, no caso da bauxita, durará bem menos do que inicialmente se
previa, por causa do notável incremento da produção.
Esse crescimento visou atender a inesperada e
enorme demanda por alumina, um dos bens naturais do qual a China não é
auto-suficiente, muito pelo contrário. Por causa da necessidade chinesa de
bauxita e alumina, os bens intermediários para a transformação do metal, houve
uma corrida mundial. A Alunorte acaba de antecipar a entrada em operação de
suas unidades 4 e 5, passando a produzir 4,2 milhões de toneladas de alumina e
assumindo a liderança mundial do setor.
Ao seu lado, começa a tomar forma a refinaria
da ABC, uma associação da Companhia Vale do Rio Doce com a chinesa Chalco, que
poderá chegar acima de sete milhões de toneladas anuais, o limite alcançável
também para a Alunorte. Se houver essa progressão, o pólo de Barcarena será
responsável por um terço da alumina produzida no planeta.
Mas para Oriximiná, o que restará quando a
única tarefa remanescente da mineração será tapar os buracos abertos para a
extração da bauxita? O que farão os habitantes nativos e os milhares de pessoas
que correram para a sede municipal, quase triplicando sua população em três
décadas (de 18 mil para 52 mil habitantes)? E para o Pará, quando essa situação
chegar à escala estadual?
Carajás, que quando começou a produzir, em 1984, tinha como horizonte máximo visualizável a escala de 25 milhões de toneladas de minério de ferro (e por isso alcançaria 400 anos de produção contínua), já chegou em 85 milhões de toneladas e alcançará 100 milhões de toneladas antes de terminar esta década (reduzindo sua perspectiva a não mais do que um século).
Carajás, que quando começou a produzir, em 1984, tinha como horizonte máximo visualizável a escala de 25 milhões de toneladas de minério de ferro (e por isso alcançaria 400 anos de produção contínua), já chegou em 85 milhões de toneladas e alcançará 100 milhões de toneladas antes de terminar esta década (reduzindo sua perspectiva a não mais do que um século).
A mina de manganês do Azul, a maior do país,
que em 1985 produzia 200 mil toneladas, bateu em 2,2 milhões de toneladas no
ano passado – ou 11 vezes mais em 20 anos, praticamente dobrando a cada dois
anos. Já é considerada uma das mais importantes minas de manganês em operação
no mundo. Em Serra do Navio, no Amapá, que ocupou posição similar entre as
décadas de 50 e 70, a produção máxima foi de um milhão de toneladas. Antes de
vencer a concessão federal de meio século para a exploração mineral, não havia
mais manganês lavrável na região. Ficaram os buracos e muitos problemas.
Esse final se repetirá. E o pior é que ninguém
sequer está fazendo as perguntas essenciais para decifrar o problema, quando a
hora já é de encontrar uma maneira de resolvê-los.
Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Fonte: Adital