Papa Francisco: Dar a Deus o que é de Deus
Homilia do Papa Francisco na Santa Missa de encerramento do Sínodo
Extraordinário sobre a Família e beatificação do Servo de Deus Papa Paulo VI
Acabámos de
ouvir uma das frases mais célebres de todo o Evangelho: «Dai, pois, a César o
que é de César e a Deus o que é de Deus» (Mt 22, 21).
À provocação
dos fariseus, que queriam, por assim dizer, fazer-Lhe o exame de religião e
induzi-Lo em erro, Jesus responde com esta frase irónica e genial. É uma
resposta útil que o Senhor dá a todos aqueles que sentem problemas de
consciência, sobretudo quando estão em jogo as suas conveniências, as suas
riquezas, o seu prestígio, o seu poder e a sua fama. E isto acontece em todos
os tempos e desde sempre.
A acentuação
de Jesus recai certamente sobre a segunda parte da frase: «E [dai] a Deus o que
é de Deus». Isto significa reconhecer e professar – diante de qualquer tipo de
poder – que só Deus é o Senhor do homem, e não há outro. Esta é a novidade
perene que é preciso redescobrir cada dia, vencendo o temor que muitas vezes
sentimos perante as surpresas de Deus.
Ele não tem
medo das novidades! Por isso nos surpreende continuamente, abrindo-nos e
levando-nos para caminhos inesperados. Ele renova-nos, isto é, faz-nos «novos»
continuamente. Um cristão que vive o Evangelho é «a novidade de Deus» na Igreja
e no mundo. E Deus ama tanto esta «novidade»!
«Dar a Deus
o que é de Deus» significa abrir-se à sua vontade e dedicar-Lhe a nossa vida,
cooperando para o seu Reino de misericórdia, amor e paz.
Aqui está a
nossa verdadeira força, o fermento que faz levedar e o sal que dá sabor a todo
o esforço humano contra o pessimismo predominante que o mundo nos propõe. Aqui
está a nossa esperança, porque a esperança em Deus não é uma fuga da realidade,
não é um álibi: é restituir diligentemente a Deus aquilo que Lhe pertence. É
por isso que o cristão fixa o olhar na realidade futura, a realidade de Deus,
para viver plenamente a existência – com os pés bem fincados na terra – e
responder, com coragem, aos inúmeros desafios novos.
Vimo-lo,
nestes dias, durante o Sínodo Extraordinário dos Bispos: «sínodo» significa
«caminhar juntos». E, na realidade, pastores e leigos de todo o mundo trouxeram
aqui a Roma a voz das suas Igrejas particulares para ajudar as famílias de hoje
a caminharem pela estrada do Evangelho, com o olhar fixo em Jesus. Foi uma
grande experiência, na qual vivemos a sinodalidade e a colegialidade e sentimos
a força do Espírito Santo que sempre guia e renova a Igreja, chamada sem demora
a cuidar das feridas que sangram e a reacender a esperança para tantas pessoas
sem esperança.
Pelo dom
deste Sínodo e pelo espírito construtivo concedido a todos, – com o apóstolo
Paulo – «damos continuamente graças a Deus por todos vós, recordando-vos sem
cessar nas nossas orações» (1 Tes 1, 2). E o Espírito Santo, que nos concedeu,
nestes dias laboriosos, trabalhar generosamente com verdadeira liberdade e
humilde criatividade, continue a acompanhar o caminho que nos prepara, nas
Igrejas de toda a terra, para o Sínodo Ordinário dos Bispos no próximo Outubro
de 2015. Semeámos e continuaremos a semear, com paciência e perseverança, na
certeza de que é o Senhor que faz crescer tudo o que semeámos (cf. 1 Cor 3, 6).
Neste dia da
beatificação do Papa Paulo VI, voltam-me à mente estas palavras com que ele
instituiu o Sínodo dos Bispos: «Ao perscrutar atentamente os sinais dos tempos,
procuramos adaptar os métodos (...) às múltiplas necessidades dos nossos dias e
às novas características da sociedade» (Carta ap. Motu próprio Apostolica
sollicitudo).
A respeito
deste grande Papa, deste cristão corajoso, deste apóstolo incansável, diante de
Deus hoje só podemos dizer uma palavra tão simples como sincera e importante:
Obrigado! Obrigado, nosso querido e amado Papa Paulo VI! Obrigado pelo teu
humilde e profético testemunho de amor a Cristo e à sua Igreja!
No seu
diário pessoal, depois do encerramento da Assembleia Conciliar, o grande
timoneiro do Concílio deixou anotado: «Talvez o Senhor me tenha chamado e me
mantenha neste serviço não tanto por qualquer aptidão que eu possua ou para que
eu governe e salve a Igreja das suas dificuldades actuais, mas para que eu
sofra algo pela Igreja e fique claro que Ele, e mais ninguém, a guia e salva»
(P. Macchi, Paolo VI nella sua parola, Brescia 2001, pp. 120-121). Nesta
humildade, resplandece a grandeza do Beato Paulo VI, que soube, quando se
perfilava uma sociedade secularizada e hostil, reger com clarividente sabedoria
– e às vezes em solidão – o timão da barca de Pedro, sem nunca perder a alegria
e a confiança no Senhor.
Verdadeiramente
Paulo VI soube «dar a Deus o que é de Deus», dedicando toda a sua vida a este
«dever sacro, solene e gravíssimo: continuar no tempo e dilatar sobre a terra a
missão de Cristo» (Homilia no Rito da sua Coroação, Insegnamenti, I, (1963),
26), amando a Igreja e guiando-a para ser «ao mesmo tempo mãe amorosa de todos
os homens e medianeira de salvação» (Carta enc. Ecclesiam
suam, prólogo).
fonte: zenit